quarta-feira, 24 de outubro de 2012

ZÉ SERRA E A ARQUITETURA DO PRECONCEITO

Última semana de corrida eleitoral nas cidades que terão segundo turno. Olhos e ouvidos voltados para São Paulo, por motivos óbvios. Se temos uma especial predileção por promessas, afinal é o discurso de todos os candidatos, agora, faltando menos de uma semana para as urnas, é quando elas brotam do nada, quase como geração espontânea.

Quase sempre balizada nas pesquisas qualitativas, que tentam apreender o que o eleitor quer ouvir, as promessas se reproduzem na tentativa de ganhar uns votinhos aqui e outros acolá e, assim, ganhar a eleição. Nesta manhã de segunda, a CBN fez uma pergunta aos candidatos sobre como combater a violência e as drogas nas escolas.

Fernando Haddad responde com educação e artes para os alunos, que faria com que estes vivenciassem a escola, se sentisse bem nela. É uma tese ancorada em qualquer pedagogia.

José Serra, não sei se de improviso ou ancorado nas tais pesquisas qualitativas, responde que investirá na prevenção à violência com uma parceria com a Fundação Casa (antiga FEBEM) que identificaria quem "tem um potencial pra ir pro crime, pra ir pra droga" para "fazer um trabalho de acompanhamento, de monitoramento e de ajuda a estes jovens".

Serra talvez tenha uma certa razão quando fala em "propensão ao crime". A psicologia diagnostica certos comportamentos psicopatas e sociopatas que podem se manifestar desde a infância. Entretanto, este é o caso clínico e minoritário. Estima-se que cerca de 4% da população desenvolva esta doença, e que poucos destes recorrem à violência.

Sabemos que a maior parte, portanto, do comportamento violento não tem relação com ausência de remorsos ou com transtornos mentais. Ou o candidato Serra não sabe o que está falando, ou, o que é pior, sabe precisamente qual é a sua proposta.

No fim do século 19, até o primeiro quarto do século 20, estiveram em voga na academia as pesquisas científicas sobre o crime e a propensão de algumas pessoas ao comportamento desviante.

Um dos seus principais defensores, Cesare Lombroso, acreditava na ideia do "criminoso nato". Lombroso desenvolveu uma série de pesquisas biométricas (tamanho de crânio, das mãos, distância entre os olhos, etc...) para fazer correlação entre "defeitos" físicos e propensão ao crime.

Lombroso fez bastante sucesso em sua época, em especial no Brasil, afinal os números batiam com o que dizia. Mãos maiores, crânios grandes, narizes "esparramados" pareciam ser indícios de "criminoso nato", pois estas características coincidiam com a da população carcerária.

Faltou explicar pra Lombroso que os negros ou os "defeituosos" não são mais propensos ao comportamento desviante, e que se estavam em maior proporção na população carcerária era porque eram os mais excluídos, sem acesso à educação básica, a empregos, à cidadania.

A tese, portanto, do "criminoso nato" e da "propensão ao crime", tem um forte componente racista, eugenista. Por mais que o candidato não tenha querido evocar Lombroso, que tenha sido uma "idéia de bate-pronto", sem reflexão, ele o fez.

Se Lombroso deu as "bases científicas" para a criminalização da pobreza, José Serra, com sua proposta Minority Report, querendo que a antiga FEBEM identifique criminosos em "potencial" nas escolas públicas de ensino fundamental (e só na escolas públicas) a retoma num patamar ainda mais policialesco, preconceituoso. Assustador.

É triste ver esta tese retomada pelo candidato Serra, na ânsia de dar respostas e promessas que o faça ganhar esta eleição. É triste ver uma biografia sendo jogada no lixo.

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