segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

HAVERÁ VIDA NA EUROPA?


Paulo Leme, entrevistado por Éder Braun, fala sobre o seu curso de 16 horas, que ocorrerá no segundo Encontro Nacional de Ateus, em São Paulo, neste ano de 2013,  no dia 17 de fevereiro, e as possibilidades de se encontrar vida fora do planeta Terra.


1) Fale-nos sobre seu trabalho e como o assunto “vida fora da Terra” se relaciona com ele.

Sou professor do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Astronomia da Universidade Cruzeiro do Sul e uma das disciplinas que ministro é exatamente “Astrobiologia e Exoplanetas”, onde cubro o assunto em 16 horas.


2) Encontraremos vida ainda no nosso sistema solar ou teremos de explorar outros sistemas para isto?

Há inúmeras evidências da existência de vida no Sistema Solar. 

Marte tem sido alvo de especulações de existência de vida há séculos. Observações locais através de sondas encontraram indícios de que água já fluiu em sua superfície, um requisito essencial para a vida tal como conhecemos na Terra. Testes em amostragens do solo marciano buscando sinais de atividade orgânica, realizadas pelas sondas Viking 1 e 2, têm sido negativos. Apesar de não terem conseguido até o momento evidência de vida, mesmo que primitiva, ainda não se pode excluir completamente essa possibilidade.

Mas as probabilidades mais promissoras de se encontrar vida são nas luas de Júpiter e Saturno.
Europa

É praticamente consenso entre os astrofísicos de que Europa, uma das luas de Júpiter, seja a mais provável candidata à existência de vida, uma vez que apresenta possivelmente mais água líquida do que em todos os oceanos juntos da Terra. Os vastos mares salgados de Europa se encontram debaixo de cerca de 20 km de gelo extremamente rígido, o que torna a exploração tecnicamente muito difícil.

Encélado é apenas uma pequena lua de Saturno, mas ao contrário do pressuposto histórico não é simplesmente uma outra rocha coberta de gelo. Em 2005, a nave espacial Cassini da NASA fotografou Gêiseres de água congelada sendo expelida através de rachaduras no solo do hemisfério sul de Encélado. Conjectura-se que reservatórios de água líquida jazem abaixo da superfície congelada, mantidos quentes por interações gravitacionais entre esta lua e outros membros do sistema Saturniano, ou seja, o fenômeno das marés. Os requisitos para a vida encontram-se presentes.

Um fator importante, favorecendo esta lua é que amostras de tudo o que existe nesses aqüíferos ocultos, inclusive vida, são continuamente lançadas no espaço, facilitando sua detecção, sem a necessidade de complexas sondas de perfuração. 

Titã, irmão maior de Encélado, é o único astro no Sistema Solar além da Terra conhecido por apresentar lagos líquidos. São entretanto lagos de etano e metano - gases naturais liquefeitos - eternamente cobertos por uma chuva fina de hidrocarbonetos. Mas, apesar dos ingredientes estranhos e temperaturas gélidas de Titã (-180º C), este é um mundo onde existe química orgânica e pode portanto abrigar vida, apesar de um tipo distinto da que conhecemos na Terra. 


3) Atualmente temos alguns robôs em Marte, um telescópio espacial em pleno funcionamento, outro telescópio que estará em ação em 2018 e sondas que já estão em locais bem inóspitos e distantes. Qual o candidato mais provavél a nos trazer a notícia de vida extraterrestre? 

Tanto o telescópio espacial Hubble como o seu futuro sucessor James Webb não têm as características necessárias para essa finalidade. Os mais prováveis ‘arautos’ dessa notícia são mesmo as sondas e robôs, porque têm como analisar amostras do solo e eventuais atmosferas locais. A sonda Huygens, separada da espaçonave robótica Cassini assim que esta entrou em órbita de Saturno em 2004, aterrissou na superfície da lua Titã no ano seguinte e durante 90 minutos transmitiu à Terra informações importantes sobre sua composição (http://apod.nasa.gov/apod/ap130121.html). O próximo passo da NASA é enviar outra sonda para analisar a superfície líquida de Titã e procurar evidências de vida.


4) Por enquanto apenas enxergamos a possibilidade concreta de encontrarmos vida unicelular fora da terra. Mas e organismos complexos, ou indo ainda mais longe, civilizações inteligentes? Algo muito ficção científica ou uma possibilidade real?

Nosso conhecimento científico da vida baseia-se na evolução das espécies baseada na seleção natural desvendada por Charles Darwin em meados do século 19. Assim, o ser humano, o top de linha da vida na Terra, é o resultado de bilhões de anos de evolução iniciada por organismos unicelulares. 

Organismos unicelulares, organismos complexos ou vida inteligente são diferentes estágios da evolução da vida, dentro de condições ambientais adequadas existentes. O tipo de vida que podemos encontrar depende portanto do estágio da evolução local. Evidentemente só podemos nos basear na vida terrestre pois é a única que conhecemos. Entretanto há teorias de tipos de vidas diferentes, não baseadas em carbono (orgânicas) mas em silício e que utilizariam amônia no lugar da água, mas não pasam de especulações.


5) Um estudo recente do World Economic Forum cita a descoberta de vida alienígena como algo que poderia impactar profundamente a humanidade. Como tal descoberta afetaria nossa visão de mundo e as crenças religiosas estabelecidas?

O maior impacto da descoberta de vida fora da Terra a curto prazo seria provavelmente na própria ciência. Os cientistas imediatamente começariam a pressionar para conseguir apoio das agências de financiamento para as missões espaciais robóticas, e mesmo tripuladas, para estudar as formas de vida 'in loco'. Sob a comoção do evento esse apoio seria altamente provável.

A longo prazo as implicações psicológicas e filosóficas da descoberta poderiam ser profundas. Se formas de vida forem encontradas em nosso próprio Sistema Solar, mesmo fossilizadas por exemplo, significará que a origem da vida é 'fácil' e que, em qualquer lugar do universo em que ela possa surgir, ela surgirá. Isso evidenciará que a vida é tão natural e onipresente que constitui uma parte do universo assim como o são as estrelas e galáxias. A descoberta da vida mesmo simples iria alimentar especulações sobre a existência de outros seres inteligentes e desafiar muitas premissas que sustentam a religião e filosofia humana.

A descoberta de vida alienígena poderá se constituir em uma profunda mudança de paradigma sobre a posição da humanidade no universo e poderá ter consequências sociais importantes. A população em geral deverá ser preparada para lidar com tal estresse, através de campanhas para a sensibilização e educação básica, a fim de adquirir um nível mais elevado de conhecimento científico e espacial.


6) O senhor será palestrante do II Encontro Nacional dos Ateus. O que espera do evento, e qual a motivação para estar nele?

Não somente espero como tenho convicção de que passaremos a outro estágio da conscientização dos participantes do evento. Muitos deixarão de ser uma andorinha solitária, o que propiciará um novo verão com muito mais vigor. Como professor, essa consciência é minha maior motivação. 


7) No Encontro Nacional de Ateus realizado pela Sociedade Racionalista, um dos focos será a divulgação da ciência. O conhecimento científico acaba levando a descrença?

Dizem que a fé e a ciência podem andar juntas lado a lado. Eu discordo veementemente. Elas se opõem profundamente. A ciência é uma disciplina de investigação e dúvida, que busca lógica, evidência e razão para tirar conclusões. A fé, ao contrário, exige a abstenção da capacidade crítica. A ciência avança com hipóteses, ideias ou modelos e somente as aceita enquanto não existem provas contrárias. Assim, um cientista está constantemente questionando, é cético. A religião transforma crenças não testadas em uma verdade inabalável, através do poder das instituições estabelecidas, como as igrejas, e a passagem do tempo estabelecendo uma tradição. Assim, quanto mais o tempo passa, mais facilmente as pessoas passam a acreditar. É como se a passagem do tempo transformasse o que começou como uma inverdade em um fato inegável e se tornasse uma verdade oficial, um dogma. 

O conhecimento científico e a fé são antagônicos na sua própria essência.


8) Por fim, qual mensagem gostaria de deixar para àqueles que o aguardam no bairro da Liberdade na cidade de São Paulo em 17/02/2013?

Não se deixem intimidar pela imensa maioria da sociedade. Informem-se continuamente para poder defender suas convicções. Mas respeitem as posições contrárias e, sempre que possível, não antagonizem. É sábio aceitar as diferenças. 

Unam-se e reunam-se. Leiam e assistam aos vídeos de pessoas em evidência assumidamente ateus ou agnósticos como Richard Dawkins, José Saramago e Dráusio Varella. Estamos em muito boa companhia como Albert Einstein, Bill Gates, Caetano Veloso, Chico Buarque, Friedrich Nietzsche, John Lennon, Leonardo da Vinci, Oscar Niemeyer, Steve Jobs, Sigmund Freud e uma infinidade personalidades e anônimos de inteligência incontestável.

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