terça-feira, 5 de maio de 2015

A CANALHICE NA CAMPANHA CONTRA FACHIN


Por Mário Luiz Delgado, advogado, doutor pela USP, mestre pela PUC/SP, no Consultor Jurídico.

Ao longo dos últimos doze anos de governos do PT vimos serem questionadas as indicações ao Supremo Tribunal Federal pelos mais diversos motivos, sendo o mais frequente a suposta ligação dos indicados com o Poder Executivo, pondo-se em dúvida a imparcialidade dos futuros magistrados quando convocados a julgar demandas de interesse de quem os nomeou. Na maioria dos casos as suspeitas eram infundadas, bastando citar, por emblemáticas, as nomeações de Joaquim Barbosa e Luiz Fux e suas posições no julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão.

Já se chegou a criticar a indicação de um ministro por falta de preparo intelectual, muito embora nada de concreto possa ser apontado até hoje em sua atuação na mais alta magistratura da nação.

Entretanto, jamais houve uma contestação mais virulenta ou desarrazoada como a lançada atualmente contra Luiz Edson Fachin. Mais do que censurar a indicação, tenta-se deturpar a biografia, contorcer posições jurídicas e denegrir a moral de um jurista de escol, considerado um dos mais brilhantes de sua geração. É verdade que os principais censores, para não dizer algozes, do indicado se situam fora do meio jurídico, sem qualquer conhecimento, ou condições técnicas, para avaliar as suas manifestações acadêmicas.

Chegou-se ao ponto de um conhecido blogueiro de uma revista semanal [N.E.: Reinaldo Azevedo], sem formação jurídica, se meter a analisar questões de Direito de Família, impingindo a Fachin posições que não são dele, como, por exemplo, a extensão de supostos direitos à amante ou a defesa da poligamia. Sobre esse tema o jurista já se expôs, de forma contundente, inclusive na grande imprensa: “Não comungo de qualquer pretensão de ruptura do modelo monogâmico, em termos de estruturação social. Admito apenas a proteção jurídica, individual, daqueles que não vivem sob esse modelo basilar.”(Folha de S.Paulo, 3 de maio de 2015).

Se a pseudo análise jurídica do blogueiro fosse honesta e com o mínimo alicerce intelectual, deveria ter feito menção ao recente julgamento do STJ, no REsp 1.185.337/RS, que reconheceu a proteção do Direito de Família à situação de uma concubina, assegurando-lhe o direito a alimentos. Ora, essa é uma questão tormentosa e das mais atuais na doutrina e na jurisprudência, a comportar posições diametralmente opostas e que não pode ser tratada de forma rasa e leviana, como fez o blogueiro.

O mesmo jornalista também se arvorou a discutir a posição de Fachin sobre a “função social da propriedade”, desconhecendo completamente que tanto a função social da propriedade como dos contratos encontram-se expressamente positivados na Constituição de 1988 e no Código Civil de 2002. Antes do CC/2002, até se poderia defender que a idéia de função social não integrava o conceito de propriedade. O novo Código tornou o direito de propriedade mais social, enfatizando que a função social abrange também a proteção ao meio ambiente e às belezas naturais, diminuindo prazos de usucapião, estabelecendo uma nova modalidade de desapropriação social, decorrente de decisão judicial.

A concepção de função social de Fachin se insere no movimento de “repersonalização” de todo o direito civil, dentro de uma visão antropocêntrica do direito privado. O centro do ordenamento não é mais o “patrimônio” ou o “homem individual”, mas sim o homem inserido no complexo das relações sociais, e cuja atuação é funcionalizada em favor da coletividade universalizada. Em oposição ao “patrimonialismo” dos códigos oitocentistas, que norteou nosso ordenamento juscivilístico nos últimos séculos, pretende-se recolocar o ser humano e os valores existenciais no vértice do ordenamento jurídico, considerando que a pessoa humana é o valor que deve orientar todo e qualquer ramo do direito, especialmente o direito civil.

Trata-se, assim, de uma nova concepção do patrimônio que coloca “no centro das relações jurídicas a pessoa e seus respectivos valores personalíssimos, especialmente, dentre eles, aquele jungido a uma existência digna”1.

A propriedade, como todo e qualquer direito subjetivo, não é absoluta e comporta restrições, podendo mesmo ser afastada quando desvirtuada de sua função social. Isso qualquer estudante de Direito sabe. Evidente que não se pode exigir conhecimentos técnicos dos que se dizem formadores de opinião. Mas é de se exigir, ao menos, honestidade. Que não se fale do que não se sabe.

A prosperarem as estultices reverberadas por alguns desinformados ou mal intencionados, todos os autores do Direito Civil contemporâneo seriam considerados “esquerdistas” e aliados ao MST.

Todos nós seríamos chamados de “petralhas”!

O nome de Luiz Edson Fachin tem o apoio praticamente unânime da comunidade jurídica. Nunca se viu um indicado ao STF com maior aprovação por parte dos que conhecem o Direito. Todas as seccionais da Ordem dos Advogados doo Brasil, Associações de Juízes, de membros do Ministério Público, de procuradores, academias de Letras Jurídicas, professores das principais faculdades de Direito, tribunais de Justiça, ministros dos tribunais superiores, todos enaltecem a biografia, o notório saber e a reputação de Fachin.

Paradoxalmente, em tempo algum eclodiram imprecações tão viscerais contra um indicado. Logo agora que o governo do PT faz a sua melhor indicação em seus quatro mandatos consecutivos? Logo agora que um civilista está prestes a retornar ao STF, demanda que se manifesta desde a aposentadoria de Moreira Alves? O pior de tudo é que a população, leiga e desavisada, tem embarcado nessa canoa furada, inflamando o Senado a rejeitar o nome de Fachin.

Estamos todos loucos? Estaria correto Herasmus Gerritszoon, mais conhecido como Erasmo de Rotterdã, quando dizia que “tudo o que fazem os homens está cheio de loucura”? É o que parece. E sendo assim, deveríamos seguir o conselho do teólogo holandês? (“se houver na face da terra uma única cabeça sã, que se retire para um deserto, a fim de gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria”)

Não! Não vamos nos retirar para o deserto, mas lutar para que a verdade seja restaurada e a desonestidade espancada.

É um absurdo e uma injustiça o que se está a dizer de Fachin, só pelo prazer de contestar. Quando se passa a raciocinar de forma tão inconsistente não há como responder, já ensinava Miguel Reale.

Espero que os senadores da República saibam separar o joio do trigo e não se deixem influenciar por manifestações tão levianas quanto infundadas e inconsequentes como as que tem sido publicadas, especialmente nas redes sociais, fazendo prevalecer os interesses maiores do país, que coincidem com a aprovação e posse do Fachin na nossa mais alta corte de Justiça.

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