terça-feira, 15 de outubro de 2013

CLEITON CAMARGO OBSTRUIU A LIBERDADE DE IMPRENSA

Do jornal FOLHA DE SÃO PAULO, em 26/08/2013 - 20h14min.

Justiça proíbe jornal de noticiar apuração sobre juiz no Paraná

A Justiça do Paraná proibiu o jornal "Gazeta do Povo", o maior em circulação no Estado, de publicar reportagens sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, Clayton Camargo.
Des. Clayton Camargo

O pedido foi feito no fim de julho pelo próprio magistrado, que assumiu a presidência do TJ em fevereiro. Camargo é alvo de investigações sigilosas no CNJ (Conselho Nacional de Justiça), sob suspeita de tráfico de influência e venda de sentenças, que foram noticiadas pelo jornal.

O desembargador teve o pedido negado em primeira instância, mas conseguiu reverter a decisão com um recurso ao próprio TJ.

A decisão é da semana passada e determina que o jornal "se abstenha de publicar matérias jornalísticas que atinjam a honra, a boa fama e a respeitabilidade do autor".

A medida também ordena que o veículo exclua de seu site todos os textos publicados sobre o caso, sob pena de multa diária de R$ 10 mil.

No processo, Camargo afirmou que foi alvo de uma "campanha detratora" que atingiu sua honra, e que as notícias "vieram impregnadas pelo ranço odioso da mais torpe mentira".

Na época da veiculação das denúncias na "Gazeta do Povo", Camargo, procurado pelo jornal, disse que não falava com jornalistas. "Vá fazer perguntas para tua mãe. Eu não tenho que dar satisfação alguma. Eu não falo com jornal, principalmente com esse teu jornal", disse.

Segundo a defesa do desembargador, a liberdade de expressão prevista na Constituição "não é absoluta e não pode ocluir [obstruir] os direitos da personalidade".

O juiz substituto Benjamin Acácio de Moura e Costa acatou a argumentação da defesa e afirmou que o presidente do TJ foi alvo de "artilharia pesada". Com a decisão, ele cassou uma liminar anterior, que entendeu que, por ocupar cargo público, o presidente está sujeito à atuação mais incisiva da mídia.

Para organizações de imprensa, a decisão representa censura. "Mais do que atingir o jornal, é uma afronta ao direito dos cidadãos de serem livremente informados", disse Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais).

Em nota, a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) também classificou o caso como um "novo episódio de censura judicial".

"A censura foi banida no Brasil pela Constituição de 1988. É especialmente preocupante que seja o Judiciário a fazer uso desse expediente e privar a sociedade do direito à informação", diz o texto.

O corregedor nacional de Justiça, Francisco Falcão (que conduz as investigações contra Camargo), condenou a decisão. "É lamentável que se busque o Judiciário para tentar calar a voz independente da imprensa", disse. O CNJ vai monitorar o processo.

A "Gazeta do Povo" informou que não iria se manifestar, já que a ação corre em segredo de Justiça. No decorrer do processo, porém, o veículo disse que a decisão é de "censura prévia", pois que os fatos noticiados são de interesse público.

Procurado, Camargo não se manifestou sobre o tema até a publicação desta matéria.

INVESTIGAÇÃO DO CNJ

O plenário do Conselho Nacional de Justiça decidiu, nesta terça-feira (8/10), afastar do cargo o ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Clayton Camargo. Os conselheiros também aprovaram, de forma unânime, a abertura de Processo Administrativo Disciplinar contra Camargo, para investigar a denúncia de que ele teria renda incompatível com sua função. O desembargador está afastado do cargo até que o plenário mude sua decisão ou até que o mérito do PAD seja analisado.

Relator do caso, o ministro Francisco Falcão, corregedor nacional de Justiça, afirmou que os indícios constam do Inquérito 792/DF do Ministério Público Federal, de relatório de inteligência financeira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e de uma análise da Receita Federal. A Receita tomou como base as declarações de Imposto de Renda do ex-presidente do TJ-PR entre 2006 e 2009. Segundo Falcão, os indícios apontam para negócios jurídicos simulados com o objetivo de fraudar o Fisco e para lavagem de dinheiro, condutas distintas do que é esperado de um magistrado, concluiu ele.

O MPF aponta que as transações suspeitas ocorreram entre 2005 e 2011, incluindo a compra de um imóvel em bairro nobre de Curitiba por valor abaixo do mercado em 2005. O apartamento, que valeria R$ 1,6 milhão, foi pago com R$ 600 mil em espécie, segundo o documento do Ministério Público. Em 2006, afirma o MPF, ele vendeu um imóvel por R$ 300 mil e, cinco anos depois, recomprou o mesmo bem, pelo mesmo valor, de um escritório de advocacia.

Também em 2006, o ex-presidente do TJ-PR vendeu por R$ 150 mil um carro que comprou por R$ 102 mil, de acordo com a investigação. Em 2008, informa o MPF, ele recebeu em espécie, sem declarar à Receita Federal, R$ 100 mil de “luvas” por parte de um inquilino. Tramitam no CNJ outros três processos contra Clayton Camargo, por denúncias de tráfico de influência e venda de sentenças. Para Francisco Falcão, ainda que não tenha sido provada fraude ou conduta criminosa, a injustificada evolução patrimonial do magistrado justifica que as investigações sejam aprofundadas.

Aposentadoria

O pedido de aposentadoria voluntária do desembargador Clayton Camargo permanece suspenso. O requerimento foi apresentado em 20 de setembro, oito dias depois do CNJ intimar o então presidente do TJ-PR a apresentar defesa prévia diante da Reclamação Disciplinar 0004547-59.2013.2.00.0000. A suspensão do pedido foi mantida pelo ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Toffoli argumentou que a decisão de Falcão tem justificativa, pois as acusações a respeito do desembargador são graves. Permitir o afastamento, escreveu Toffoli, traria o “iminente risco de perecimento do direito”, já que a aposentadoria poderia atrapalhar o “normal seguimento das investigações”.

O ministro afirmou ainda que a suspensão da aposentadoria se deu durante um processo do qual o desembargador já tinha conhecimento e já havia apresentado defesa prévia - e cuja abertura ou não ainda depende de decisão do Pleno do CNJ. “Em arremate, convém que se diga que os fatos narrados nesta impetração são extremamente graves e que o impetrante, ao invés de desejar recolher-se à inatividade remunerada, deveria ser o principal interessado em vê-los cumpridamente elucidados, quando menos em respeito à dignidade do elevado cargo de presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, que um dia exerceu”, concluiu Toffoli. Com informações da Assessoria de Imprensa do CNJ.

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