segunda-feira, 17 de junho de 2013

BRASILEIRO TEM MEDO DA CHINA


Brasileiro tem visão mais negativa sobre China do que a média latino-americana
Pesquisa mostra postura menos favorável ao gigante asiático do que na média regional

Porto: 'Ainda existe, sim, o receio sobre a China'
A chinesa Sany já deixou de ser uma importadora e, dos seis anos no Brasil, produz há três. Emprega atualmente 320 trabalhadores – 90% deles brasileiros –, na fábrica em São José dos Campos, no interior de São Paulo. Em 2012, faturou R$ 320 milhões e espera chegar a R$ 500 milhões em 2013.

René Porto, diretor comercial da Sanay, lembra, entretanto, das críticas que ouviu quando, há três anos, foi trabalhar para os “chineses”. Ainda tem de convencer seus clientes de que uma marca chinesa não necessariamente faz um produto pior do que outros estrangeiros. E, vez ou outra, ainda ouve comentários sobre o mal que os “chineses” fazem ao Brasil.

“Ouvi [críticas]. Existia aquele esteriótipo ‘ah, chineses'. Havia uma série de preconceitos, que não são reais”, lembra ele. “E ainda existe, sim, o receio. Escutamos às vezes no mercado ‘ah, os chineses e seus importados’. É lógico que há empresas que vêm para o Brasil só vender os produtos e somem. Mas há as que vêm e criam postos de trabalho", diz o executivo.

Principal destino latino-americano dos investimentos chineses em 2011 - descontados os paraísos fiscais, segundo dados da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento - e maior comprador mundial das exportações brasileiras, o brasileiro torce mais o nariz para o gigante asiático do que a média dos moradores da região.

Enquanto quase a metade dos moradores de 22 países da América Latina (48,6%) acredita que os negócios chineses contribuem para o desenvolvimento de suas nações, no Brasil essa parcela é de 39,8%, apontam dados do Barômetro das Américas 2012.

Além disso, o Brasil tem uma minoria mais expressiva (16,9%) de pessoas que considera a influência chinesa negativa, mais do que a média regional (12%), segundo um recorte feito pelos pesquisadores.

“A média dos brasileiros não tem uma visão negativa, mas uma visão positiva modesta que, em comparação, é um tanto menor do que a avaliação média que encontramos em outros países da região”, afirma Liz Zechmeister, diretora-adjunta do Projeto de Opinião Pública Latinoamericana (Palop, na sigla em inglês), que realiza a pesquisa, e professora associada de ciência política da Universidade Vanderbilt (EUA), onde o projeto está abrigado.

O Barômetro é realizado por um conjunto de instituições em 24 países - no Brasil, a responsabilidade é da Universidade de Brasília. O número de pessoas consultadas em cada nação (a amostragem) é representativa de cada população, segundo os pesquisadores. O financiamento é feito em parte pela Agência Norte-Americana de Desenvolvimento Internacional (USAID), e conta com apoio da ONU e do Banco Mundial, entre outros.

O levantamento indica que a população da região percebe um aumento na influência chinesa e um recuo da americana. Enquanto para 40,8% dos entrevistados os Estados Unidos são o país com maior ascendência sobre a América Latina, 30,1% acreditam que essa situação continuará assim daqui a dez anos. Já a China, o mais influente hoje para 20,3%, ocupará o primeiro posto daqui a 10 anos para 23,8%. O Brasil, com 4,3%, sobe para 6%.

"Parece correto afirmar que os dias de uma hegemonia única estão acabando na América Latina, para ser substituída não por um modelo bipolar [EUA-China], mas por um modelo totalmente novo de múltiplos poderes em competição", diz Liz.

Discurso anti-China perde vigor

Maior destino das exportações brasileiras, a China comprou no primeiro trimestre deste ano US$ 18,06 bilhões, ou 19,4% do total, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MIDC). A fatia é maior que a do mesmo período do ano passado (17,6%) e quase o triplo da registrada em 2003 (6,3%).

“A inclusão social [ocorrida nos últimos anos no Brasil] foi graças aos efeitos da exportação para a China”, afirma Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China. “Quando a economia chinesa vai bem, o Brasil vai bem. Quando ela for mal, o Brasil estará numa situação muito séria.”

Em 2012, quando a economia chinesa desacelerou para 7,8% de crescimento – a mínima em 13 anos –, o superávit na balança brasileira despencou 39,8%, para US$ 7 bilhões. Nos primeiros três meses deste ano, o recuo foi de 7% na comparação com o mesmo período do ano passado, para US$ 3,5 bilhões.

Para Tang, o viés negativo em relação à China é reflexo da culpabilização do país pelos problemas brasileiros – algo que começa a se tornar passado.

“A indústria brasileira sempre bateu no inimigo errado. Agora mudou de discurso e o problema passou a ser o custo Brasil. E está certo”

Investimento concentrado

Embora seja o principal destino do Investimento Estrangeiro Direto (IED) da China na América Latina, o Brasil abriga ainda uma parcela relativamente tímida desses capitais. Em 2011, o estoque de IDE chinês era de US$ 9,3 bilhões, ou 1,9% do total. Os Estados Unidos – ainda o principal modelo a seguir, segundo o Barômetro – detinham 19,6% do total, ou US$ 115,4 bilhões.

Para Liz, do Lapop, há ainda outro motivo: a concentração desses recursos em poucos lugares e poucos em setores.

“Em primeiro lugar, os investimentos [chineses] no Brasil têm sido estratégicos e localizados, focados em recursos naturais, e isso pode limitar os sentimentos positivos sobre a China”, afirma a pesquisadora, em entrevista por e-mail.

A disputa por um lugar ao sol no ranking das novas potências também tem sua parcela de culpa. O fato de a China ser vista pelo Brasil como uma rival esvazia a opinião púlbica positiva sobre o país, avalia Liz.

Trabalho influencia pouco

A pesquisadora ressalta ainda que o distanciamento entre as culturas pesa mais para as percepções negativas do que questões trabalhistas. “As explicações dominantes sobre as imagens negativas dos negócios chineses parecem vir (...) da percepção de falta de conhecimento e contato [dos chineses] com os brasileiros.”

René Porto, o diretor comercial da Sanay, diz que um dos pontos em que as culturas ainda se chocam, ao se integrarem, é a velocidade. Os chineses, diz ele, andam mais depressa.

“As análises e decisões são muito mais rápidas. Eles são muito ágeis, muito agressivos, e têm disposição para assumir o risco.”






por Vitor Sorano



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